Sou muito sensível no que toca a animais, eu sei

Ou sou eu que sou muito sensível ou então são as outras pessoas que não têm sentimentos nenhuns. Mas hoje foi demais, hoje fui cruel. Hoje fiz aquilo que eu tinha prometido a mim mesma nunca vir a fazer. Hoje abandonei um cão. Dócil, meigo, velho. Encontrei-o na praia, não sabendo se estava perdido ou abandonado. E lá ficou, ao pé de mim, vendo as pessoas passar e a desatar a correr assim que avistava uma criança. Era uma doçura. Dei-lhe de beber e de comer. E depois lá dormiu. Odeio quando situações destas acontecem, nunca sei bem o que fazer. O cão tinha coleira, mas nenhuma identificação. Parecia estar domesticado mas nenhum sinal do dono. E eu via o tempo a passar e já dava por mim quase a chorar, tal era a minha inquietação. Porque eu nestas coisas sou assim. Eu não resisto a uns olhinhos como aqueles. Sou uma piegas que cada vez que vê um cão abandonado, ou maltratado ou perdido já não consigo aproveitar o dia. E foi isso mesmo que aconteceu hoje. Eu já com planos marcados, pronta para apanhar o autocarro e à última da hora vejo-me a cancelar tudo. Mas é que eu iria sentir-me mal comigo mesma se deixasse lá o cão na praia, iria arrepender-me, iria pensar no animal o resto do dia. E ninguém foi capaz de ficar com ele, visto que também os outros já tinham planos. Por isso lá fui, levei-o a uma loja de animais e pedi para que vissem se ele tinha algum chip, mas nada. Comecei a entrar em pânico e já esperava o pior. Só me questionava “e agora?”. “E agora, – disse-me o homem da loja – agora o melhor é voltar com ele até à praia ou então soltá-lo. E o canil municipal está fora de questão, porque abatem logo os animais passados oito dias. Para isso, mais vale ele andar solto”. Lá me deu o número de uma associação que acolhe cães mas, como já é habitual, está cheia. Fiz mais uma chamada, e outra, mas não há espaço. Nunca há espaço. Voltei com o cão à praia e tentei soltá-lo, mas não conseguia. Simplesmente não o queria soltar. Não queria que ele ficasse pelas ruas perdido ou que tivesse o azar de ficar atravessado na estrada. Não queria. “Larga o cão, ele deve voltar para casa” diziam-me. “E se ele não voltar? E se ele estiver abandonado?” O problema é que me afeiçoei ao cão. Afeiçoo-me sempre. Também na semana passada encontrei um e esse deixei ficar lá na praia com o grupo da tarde. Depois soube que tinham telefonado à polícia municipal e que tinha ido parar ao canil. Hoje já nem deve estar vivo. E foi aí que prometi que, caso acontecesse outra situação destas, eu iria fazer tudo, mas tudo o que estivesse ao meu alcance para ajudar o cão e não ia deixar que telefonassem para o canil. Então fiquei com ele. Mas tive de regressar e ele não podia vir comigo. Dei-lhe de beber uma última vez e soltei-o, contra a minha vontade. Mas que mais poderia eu fazer? Não podia levá-lo para casa. Não sabia ao certo o que é que tinha acontecido. Talvez ele tivesse dono ou talvez ele tivesse sido mesmo abandonado mas, nunca saberei. As lágrimas já me corriam cara abaixo e só me apetecia voltar atrás e ir ter com ele. “Não me sigas, não me sigas”. Mas ele seguiu-me. Seguiu-me até um certo ponto, porque depois houve uma altura em que ele ficou para trás. E eu tive de continuar, tive de seguir em frente. Olhei para trás ainda algumas vezes, mas já estava longe. E assim ficou, na rua, sozinho, perdido ou abandonado. Senti-me a pior pessoa do mundo e não parei de chorar toda a tarde.


Talvez noutra situação eu não tivesse dado tanta importância ao assunto. Já passei por muitos animais perdidos na rua. Já senti muita vezes um aperto no coração só de vê-los ali, a vasculhar o lixo ou a andar sem rumo. Mas continuei. Agora nesta situação, não consegui ficar indiferente. Senti que tinha de fazer algo. Nem que esse algo tenha sido em vão.

2 comentários:

  1. em relação ao Antes de eu morrer comprei o livro atraves do circulo de leitores, nao sei se conheces. mas também sei que existe nas livrarias da bertrand.
    tanto esse como o a vida selvagem e o tres metros acima do ceu são realmente delciosos :)

    beijinhos

    ResponderEliminar
  2. Está explicado porque é que nao foste ver a "idade do gelo 3" xD
    Fora de brincadeiras, eu compreendo... a sério.

    ResponderEliminar